Páginas

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

texto retirado de um perfil de facebook: por que tememos aos cegos?

Li este texto no facebook e achei importante compartilhar com vocês.
leiam até o fim.

Porquê Tememos aos Cegos? - Rosemary Mahone
Há alguns anos, quando mencionei a uma mulher que conheci em uma festa
que dava aulas em uma escola para cegos, ela pareceu confundida. "Posso
fazer-te uma pergunta?"
- Disse. "Como falas com teus alunos?"
Expliquei-lhe que os estudantes eram cegos, não surdos. Levantando as
palmas de suas mãos para mim, como para frisar ainda mais a
incompreensão, ela disse:
"Sim, sei que não são surdos. Mas o que realmente quero dizer é:
realmente falas com eles?"
Eu sabia, porque me havia sido feita esta pergunta antes por pessoas
razoavelmente inteligentes, que a mulher não sabia exatamente o que
queria dizer. O único que sabia era que em sua mente existia uma
barreira intelectual substancial entre os cegos e os videntes. Os cegos
podiam ouvir, sim. Mas podem entender corretamente?
Ao longo da história e em todas as culturas, os cegos têm sido
denegridos por uma série de mitologias como esta. Têm sido percebidos de
várias maneiras como idiotas lamentáveis, incapazes de aprender, como
mestres engenhosos do engano, ou como místicos possuídos de poderes
sobrenaturais. Um dos mitos mais persistentes sobre a cegueira é que ela
é uma maldição de Deus pelas faltas cometidas numa vida passada, que
encobre o cego na escuridão espiritual e o faz não só perigoso, e ainda
malvado.
A maioria dos estudantes cegos no Instituto Internacional de
Empreendedores Sociais (International Institute for Social
Entrepreneurs), em Trivandrum (Índia), uma filial da Braille sem
Fronteiras, veio do mundo em desenvolvimento: Vieram de Madagascar,
Colômbia, Tibete, Libéria, Gana, Quênia, Nepal e da Índia.
Um de meus alunos, de 27 anos de idade, Sahr, perdeu a maior parte de
sua vista em decorrência do sarampo, quando era um menino. (Como muitos
meninos das zonas rurais da África Ocidental, Sahr não havia sido
vacinado.) Os residentes da aldeia de Sahr estavam seguros de que sua
cegueira, sem dúvida, era o resultado de bruxaria ou de ações imorais
por parte de sua família, e poderia afetar negativamente a toda a
aldeia. Rodearam sua casa e gritaram ameaças e abusos. Confiscaram uma
parte considerável da terra de seus pais. Com o tempo, os anciãos
decretaram que o pai de Sahr deveria levar o menino à selva, "onde vivem
os demônios, e abandoná-lo ali". Os pais se negaram e fugiram da aldeia
com seu filho.
Muitos de meus alunos tiveram experiências similares. Os pais de Marco,
devotos católicos colombianos, rogaram a um sacerdote que rezasse uma
missa para que seu pequeno filho cego morresse antes de que sua
existência trouxesse vergonha e dificuldades em seu lar. Os povoadores
da remota aldeia tibetana de Kyile insistiram em que ela, seus dois
irmãos cegos e seu pai cego deviam todos suicidar-se porque não eram
mais que uma carga para os membros videntes da família. Quando, como
menino em Serra Leoa, James começou a ver os objetos de cabeça para
baixo por causa de uma enfermidade ocular, os aldeões estavam seguros de
que ele estava possuído por demônios.
Nestes lugares, as escolas para meninos cegos eram consideradas uma
perda absurda de recursos e de esforço. Os professores das escolas
normais se negaram a educá-los. Meninos videntes os haviam
ridicularizado, os enganaram, cuspiram e lhes jogaram pedras. E quando
chegaram à idade de trabalhar, ninguém os contratou. Durante uma visita
ao Centro de Treinamento do Braille Sem Fronteiras no Tibete, conheci os
meninos cegos que haviam sido oprimidos, disseram que eram idiotas,
foram encerrados em quartos por anos e anos e abandonados por seus pais.
Estes relatos que eram uma condição normal ou comum na Idade Média,
tomaram lugar nos anos 1980, 1990 e 2000. Estão tomando lugar agora.
Nove em cada 10 meninos cegos no mundo en desenvolvimento ainda não têm
acesso à educação, muitos deles pela única razão de que são cegos.
Os Estados Unidos têm uma das taxas mais baixas de deficiência visual no
mundo, e todavia a cegueira segue sendo uma das doenças físicas mais
temidas. Inclusive neste país os cegos são percebidos como um povo à
parte.
Existe aversão aos cegos pela mesma razão de que existe a maioria dos
prejulgamentos: a falta de conhecimento. A ignorância é um potente
gerador de temor.
E o medo se converte facilmente em agressão e desprezo. Quem nunca
passou mais de cinco minutos com uma pessoa cega poderia ser perdoado
por crer - como a mulher que conheci na festa - que há um abismo
intransponível entre nós e eles.
Para a maioria das pessoas a vista é a principal forma pela qual
interpretamos o mundo. Como podemos sequer começar a pensar em uma
conexão significativa com uma pessoa que não pode ver? Antes de começar
a viver e trabalhar entre a gente cega, eu também me perguntei isso.
Cada vez que via uma pessoa cega na rua ficava olhando, paralizado, com
esperança, de um mal-estar vago e visceral, que não ia a ter que me
comprometer com ele. Em 1930, em seu livro, "O Mundo dos Cegos", Pierre
Villey, um professor francês cego de literatura, resumiu o carnaval
aterrorizante dos prejulgamentos e superstições sobre os cegos que se
transmite através dos séculos. "A pessoa vidente julga os cegos, não
pelo que são, mas pelo temor que a cegueira inspira... A revolta de sua
sensibilidade encarando "a mais atroz das enfermidades, enche uma pessoa
vidente com prejulgamentos e dá lugar a milhares de lendas". A autora
cega Georgina Kleege, conferencista da Universidade da Califórnia em
Berkeley, mais concisamente escreveu:
"Os cegos são, ou sobrenaturais, ou sub-humanos, esquisitos ou animais."
Acostumamos-nos tanto com a visão que temos, nos aferramos a ela de modo
servil, e estamos tão oprimidos pelos dados superficiais, que inclusive
a pessoa vidente mais brilhante pode gastar um longo tempo,
estupidamente, para reconhecer o óbvio: há, em geral, um perfeito estado
de saúde, uma mente ativa humana normal por trás desse par de olhos que
olham sem ver.
Christopher Hitchens chama a cegueira: "um dos transtornos mais antigos
e mais trágicos conhecidos pelo homem". Como de excluídos horrivelmente,
e carentes, nos sentiríamos ao perder o mundo e a forma de vida que a
vista nos leva. A cegueira pode suceder a qualquer um de nós. Eu mesmo,
cria estar seguro de que preferiria morrer antes que ser cego; não
poderia imaginar como ia a ter a força para seguir adiante encarando
essa perda.
E contudo a gente o faz. Em 1749, o filósofo francês Denis Diderot
publicou uma composição, "Carta sobre os cegos para o benefício dos que
veem", na qual descrevia uma visita que ele e um amigo fizeram à casa de
um homem cego, filho de um professor de filosofia na Universidade de
París. O homem cego se casou, teve um filho, tinha muitos conhecidos,
estava versado em química e botânica, sabia ler e escrever com um
alfabeto em relevo, e ganhava a vida destilando licores. Diderot
escreveu con admiração do "bom sentido sólido" do homem, de sua ordem,
de sua "surpreendente memória para sons" e vozes, de sua capacidade para
dizer o peso de qualquer objeto e de qualquer vasilha simplesmente
sustendo-os em suas mãos, de sua capacidade para desmontar e tornar a
montar as máquinas pequenas, de sua agudeza musical e de sua extrema
sensibilidade às mudanças atmosféricas.
O homem cego, talvez cansado de ser interrogado por Diderot e seu amigo
como se fosse um animal de circo, com o tempo lhes fez uma pergunta
própria. "Percebo, senhores, que vocês não estão cegos. Estão é
assombrados pelo que faço, e por que não pelo que expresso?" Mais do que
qualquer de suas habilidades sensoriais, era a autoestima do homem cego
que surpreendeu mais a Diderot. "Este homem cego", escreveu,
"valoriza-se tal como ou talvez mais do que nós, os que vemos".
Aprendi de meus amigos cegos e colegas que a cegueira não tem por que
seguir sendo trágica. Para aqueles que podem adaptar-se a ela, a
cegueira se converte num caminho a uma forma alternativa e igualmente
rica da vida.
Uma das muitas ideias equivocadas sobre os cegos é que eles têm uma
maior audição, um maior sentido do olfato e um maior sentido do tato que
as pessoas videntes. Isso não é estritamente certo. Sua cegueira
simplesmente lhes obriga a reconhecer os dons que sempre tiveram, mas
até agora haviam ignorado em grande medida.
Há aluns anos, me permiti colocar uma venda nos olhos e fui levada pelas
ruas de Lhasa por duas meninas cegas tibetanas adolescentes, estudantes
do Braille Sem Fronteiras. As garotas não haviam crescido na cidade, e
contudo a haviam atravessado com facilidade, sem tropeçar ou perder-se.
Tinham um destino específico em mente, e a cada vez anunciavam: "Agora
vamos à esquerda" ou "Agora giramos à direita", me vi obrigada a
perguntar-lhes como sabiam isso. Suas respostas me surpreenderam,
sobretudo porque as pistas que estavam seguindo eram o som de muitos
televisores em uma loja de eletrodomésticos, o cheiro do couro duma
sapataria, a sensação de paralelepípedos de repente sob os pés, mesmo
que estivessem fora ao ar livre, para que qualquer um pudesse
percebê-los, eram praticamente ocultos para mim.
Pela primeira vez em minha vida me dei conta do pouco caso que dava aos
sons, aos cheiros, de fato, a todo o mundo que se estendia mais além de
minha capacidade de ver.
O escritor francês, Jacques Lusseyran, que perdeu a visão na idade de 8
anos, entendeu que aqueles de nós que temos a visão estamos, em certo
modo, privados pela mesma. "Em troca de todos os benefícios que traz a
visão, nos vemos obrigados a renunciar a outros cuja existência nem
sequer suspeitamos".
Não pretendo sugerir que há algo maravilhoso na cegueira. Só há algo
maravilhoso na resistência humana, a adaptabilidade e a ousadia. Os
cegos não são mais ou menos místicos, estúpidos, malvados, tristes,
lamentáveis e enganosos que o resto de nós. É só nossa ignorância que os
envolve nessas qualidades ridículas. Quando Helen Keller escreveu: "É
mais difícil ensinar a ignorância do que pensar em ensinar a um homem
cego inteligente o ver a grandeza das Cataratas do Niágara", ela estava
falando, obviamente, da elevação e da igualdade de valor do
conhecimento.
Rosemary Mahone é a autora do livro da próxima aparição "Para benefício dos
que veen: Envios do Mundo dos Cegos.
--
somos cegos sim. Mas é a sociedade que não nos enxerga!
Por Maria Carvalho
O que é real nem sempre é o que se ver.
Contatos:
Twitter: http://www.twitter.com/marias2vc
fãpage: facebook.com/mariacarvalhos2
youtube: youtube.com/c/mariacarvalhos2
soundcloud: soundcloud.com/mariacarvalho-3

Um comentário: